quinta-feira, 12 de abril de 2018

Mar negro

            Sentiu seu corpo afundar, não sabia o que dizer nem o que sentir, mas viu tudo de si naquele momento. Aquele pequeno instante de puro conhecimento que ao se despedir se vai com tudo e nos deixa no vazio de nos mesmo. A cada centímetro sentia desespero, mas não de forma afoita ou afobada, sentia-o como uma brisa, preenchendo seu corpo a cada instante, sem saber o que fazer, sem saber por onde escapar.
             Mantinha os olhos fechado, não possuía coragem para encarar aquele fim, tinha realmente vivido, tido amores, decepções, atos de coragem e covardia, mas ali no fim não pensou nisso. Pensou em seu lugar neste mundo, cada ação, cada passo que deu e se sentiu indiferente, pensando qual foi seu verdadeiro papel em tudo o que tinha vivido, se é que algo tinha proposito algum.
              Sentiu a pressão, seu corpo pesar, não conseguia mais respirar, ou pensar e ali, no fundo de tudo abriu os olhos. Esperava algo belo, uma beleza escondida, mas viu apenas um conjunto de pedras. Por um instante se sentiu paralisado, ali com o corpo estendido, com um olhar triste e uma pequena pedra na mão desistiu e voltou a fechar os olhos, e esperou.
               Ainda havia muito ali, naquele lugar vazio, no fundo do mar negro. Na água se estendiam estrelas, que brilhavam a sua própria vontade. Uma pequena casa no topo de uma colina ali próximo, iluminada por estrelas. Levantou, mas não se sentia, olhou para suas mãos como se não as reconhecessem, esticou as pernas como se não as usasse há muito tempo e andou em direção a casa. Não queria olhar para trás, sabia o que havia ali.
               A subida na colina foi dispendiosa, seus passos eram como chumbo, e o medo era constante, não se arriscava olhar para os lados, não sabia o que poderia estar ali. Seguia em frente, como se tudo dependesse disso, como se ele dependesse disso. A pequena casa era feita de madeira, aparentava ter sido feita recentemente, na entrada havia um pequeno tapete escrito "bem vindo" com letras azuis e prateadas. Aproximou-se da porta e notou que não tinha trinco ou maçaneta. A empurrou e entrou.
                Sentiu um certo alivio ali, a casa tinha uma mesa com cadeiras em uma sala pequena, um fogão a lenha bem encostado no canto direito, duas prateleiras na parede do centro com alguns livros, um violão no canto esquerdo e um grande tapete que se estendia por boa parte da casa. Na mesa havia papeis, com contos inacabados, musicas e alguns pensamentos de quem quer que seja que morava ali. Em uma das prateleiras achou um pequeno cachimbo, nunca tinha usando um daqueles, mas ali ao lado dele já estava o fumo, foi vencido pela curiosidade.
                A tristeza ainda o acompanhava, como uma velha amiga, e imaginou o quão bela a vida seria se tivesse aceitado um pouco de realidade. Preparou o fumo de forma desajeitada, não achou fogo ali, ou algo que fizesse, mas puxou a cadeira para a beira da casa e ali olhou para as estrelas. A tranquilidade sempre vinha como um visita inesperada, vem passeia com você e vai embora como um convidado incomodado. Assim se sentiu por um instante, aquele céu de estrelas, aquele mar que lhe envolvia, já estava acostumado.
                  As estrelas foram aos poucos se apagando, desaparecendo como vaga-lumes, e tudo ficou escuro, e sentiu tempestades vindo. Entrou na casa e trancou a porta, puxou o violão e tocou e cantou, pensou assim que a tempestade ia embora, mas ela não foi. Por muito tempo a escuridão rodeou a casa, e ali dentro o que lhe iluminava era uma tênue branca luz que vinha do fogão. Não aparentava ser fogo, mas uma pequena estrela que cochilou ali e se esqueceu de ir embora.
                   Sentou-se a mesa, e viu os papeis revirados, cada um com historias de tempos remotos, alegrias além do que compreendia, tristeza infundadas e amores esquecidos. Viu um pequeno bilhete por entre as folhas e este dizia:
              
                                               Ainda me lembro de vosso semblante minha guia, de seu caprichos;
                                                         Teu brilho dourado me guiou por campos escuros, por multidões, e por                                                                                       mares escuros, mas me encontro naufragado minha estrela, seu brilho                                                                                         foi além do horizonte e os ventos não me favoreceram;
                                                             Sinto sua falta constantemente, e dentro desse mar não sei se                                                                                                     conseguirei voltar para voc----

                      O bilhete estava incompleto, mas ao terminar de ler sentiu as lagrimas descendo pelo seu rosto. Ao seu lado sentava-se uma mulher, como se tivesse sido chamada pela tristeza. Ela tinha um aspecto jovial, cabelos negros, seios pequenos, usando um vestido azul escuro, seu olhar era frio, como ele lembrava no inicio de sua caminhada. Levou um susto, tanto tempo na escuridão o fazia tremer diante dessa figura. Ela por outro lado olhava por sob a janela, como se procura-se algo, não se importou muito com ele. 
                        Ela se levantou, postou-se diante dele e ajoelhou, diferente de seu olhar sentiu que suas mãos eram quentes. Ali ela colocou sua cabeça em seu colo e chorou, como se fosse seu ultimo choro, como se dependesse daquilo para existir. Por muito tempo eles ali ficaram, ele sentando em sua cadeira acariciando a mulher que chorava em seu colo.
                            Ele dormiu com o tempo, o cansaço o havia vencido, como nunca tinha antes. Dormiu ali mesmo na cadeira com a mulher em pratos no seu colo. Ela não lhe disse uma palavra mas seus lamentos ecoavam pela casa, e pela janela ele via movimentos na escuridão, mas não se preocupou com isso.
                      Acordou em uma casa iluminada, o fogão brilhava como o dia, e a escuridão deu espaço a pequenas luzes no mar. A mulher tinha ido embora, deixando a porta aberta, e sua escrita em um bilhete:
                                             Sempre estarei com você, sei que sente minha falta,                                                                                                  mas me desculpe por existir.

                      A tristeza nesse dia parecia mais leve para se carregar, a iluminação da casa trazia uma certa felicidade. Olhou la fora e viu a colina coberta de grama, e bem ao longe viu uma pequena floresta, e viu os peixes por sobre sua cabeça, e os insetos por sob seus pês. Sentiu-se animado nesse dia e correu para floresta, as estrelas sempre lhe mostravam o caminho. E naquele dia sentou-se a beira de uma arvore com o violão e tocou, mas não para si mas para o mar.
                       Os dias iam e viam, e a escuridão voltava como uma velha conhecida, como um corvo. Mas ele sempre se sentava nas arvores ou próximo as janelas e cantava, agradecendo por estar ali, por ser quem era e por ter vivido o que viveu. 
                    As manhãs eram marcadas pelas estrelas, essas brilhavam forte, mostrando um mar azul claro. E viu por entre as luzes um barco ao longe, mais longe do que jamais fora. Tinha visto apenas seu mastro se estendendo por entre a paisagem. Assim como antes fora vencido pela curiosidade. Carregou seu violão, seu fumo e algumas cartas e partiu, não havia visto a escuridão forte a muito tempo.